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Uma fuga da competitividade, um respiro na imersão
O interesse de Guilherme Leite pela relação entre arte e vida se volta nesta mostra para uma investigação sobre as possibilidades que os jogos digitais oferecem para a construção de sua poética. A partir de uma experiência pessoal com os jogos digitais, o artista se impõe uma metodologia inspirada nas suas dinâmicas. Assim, Guilherme inventa enunciados que pressupõem a temporalidade, as regras e as metas para este jogo que se dá na sua vida. Sendo o objetivo, capturar o que estiver em seu campo de visão de hora em hora, até alcançar a marca de 5000 horas, ou seja, um total de 5000 registros. O tempo do jogo, aqui, se confunde com o tempo da vida. Trata-se de um acontecimento, um processo que se mistura com a própria vida, e sendo assim, prevê a essência inconclusiva da obra.

As manifestações artísticas que a partir do meado do Século XX se utilizaram da performance para promover uma aproximação entre arte e vida, escancaram importantes “reflexões sobre os modos de ser e estar no mundo, sobre os modos de como produzir vida e de como criar práticas de produção de si.” (REZENDE, 2016) Neste sentido, podemos compreender no trabalho de Guilherme o pensamento de um programa performativo que ele concebe no jogo da vida. As experimentações nesse campo da arte receberam históricas contribuições que confundem as fronteiras entre arte e vida, dos quais o Grupo Fluxus e Gutai, e o artista Tehching Hsieh se destacam. A obra deste último artista, em especial, é uma referência necessária para uma leitura do trabalho que o Guilherme está a apresentar. Neste trabalho, são utilizados alguns procedimentos recorrentes na obra do Tehching: a modulação da temporalidade, entrelaçando o tempo da obra com o tempo da vida, a auto imposição de regras e a invenção de metodologias.

Um dado importante no trabalho que Guilherme traz para esta mostra é o contexto de sua realização dentro do confinamento contingencial, necessário, diante da pandemia de covid-19. Assim sendo, seu programa performativo se dá no ambiente doméstico onde o artista captura imagens fotográficas assumindo a aleatoriedade, ou não, que a regra do tempo do jogo impõe, pelo seu enunciado.

Guilherme usa sua experiência de navegação através dos jogos digitais e traz esta vivência como um meio de inter-relacionar as imagens íntimas e singulares do seu ambiente doméstico com a criação de imagens estereotipadas próprias dos ambientes dos jogos digitais. Ao fazer isso, o artista articula nesta mostra, a espacialidade do âmbito da vida com a do âmbito da virtualidade. O resultado deste programa performativo/jogo são os 5000 registros fotográficos que Guilherme organiza em vários vídeos e os transporta para uma outra dimensão, ficcional, projetada através de uma plataforma virtual online, onde qualquer usuário pode adentrar o espaço sem pedir autorização. Guilherme escolhe justamente a representação do espaço sideral para fazer flutuar nele as imagens do seu universo domiciliar; sobrepondo estas aos ambientes artificiais do imaginário do senso comum. A exposição passa a habitar dimensões que se dão em tempos distintos, evocando o conceito deleuziano de espaço-tempo, liso e estriado. E cria um atrito entre a presença e a representação. Resta-nos perguntarmos sobre o que está em jogo nesta relação entre arte e vida e sobre outras temporalidades afetivas que possam nos redimir de uma competitividade vazia.

Flávio Medina e Paula Souza
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